sábado, 14 de fevereiro de 2009

O som da loucura


Chamo-me Cláudio, tenho 19 anos, sou um mercenário contratado para fazer o «trabalho sujo» da CIA, tenho um cão chamado Boss e vivo no Restelo.

Chamo-me João, tenho 19 anos, sou marido da Cláudia Shiffer, tenho um cão chamado Boss e vivo no Restelo.

Chamo-me Pedro, tenho 19 anos, sou modelo profissional e actor de cinema, tenho um cão chamado Boss e vivo no Restelo.

Chamo-me Jesus Cristo, tenho 19 anos, sou o salvador do Mundo, tenho um cão chamado Boss e vivo no Restelo.

Ultimamente desconfio de toda a gente. Não me sinto seguro em nenhum lado. É uma pena que a CIA não me deixe andar armado! O KGB já deve ter enviado alguns agentes secretos para tentar impedir a missão ultra-secreta de que fui incumbido. É uma missão crucial para a paz mundial, mas não a posso revelar a ninguém. Só posso dizer que envolve o Robert de Niro e o Presidente Bush.

As pessoas que vivem lá em casa dizem que são meus pais, mas estou convencido de que são espiões de qualquer potência estrangeira. Olham-me com um ar sério, estão sempre a perguntar-me o que se passa e dizem-me que não é saudável um rapaz da minha idade passar o dia fechado no quarto, sem fazer nada. Não percebem que tenho imensas coisas em que pensar. Tenho de planear a minha missão ao pormenor e tenho de me esconder deles!

(...)

Estou internado há 1 mês num hospital psiquiátrico. Dizem que tentei matar os meus pais com uma faca. Não me lembro bem disso, nem de muitas outras coisas dos últimos meses, mas receio que seja verdade. Vivo num mundo diferente do das outras pessoas, desde há algum tempo. Sinto-me muito envergonhado do meu comportamento, mas não tive culpa. Se eles não me tivessem tentado matar, eu não lhes teria feito mal. A CIA garantiu-me que eles conspiravam para me eliminar e impedir a minha importante missão e que por isso tinham que morrer. Limitei-me a cumprir as ordens da CIA. Todas as ordens me foram dadas através de um implante que colocaram no meu cérebro e que me permitiu ouvir as vozes dos meus chefes dentro da minha cabeça.

Aqui dão-me uns medicamentos para tomar que me fazem sentir mais tranquilo e desconfiar menos das pessoas. Às vezes ainda tenho medo que alguém apareça para me matar, mas os técnicos de saúde garantem que aqui estou em segurança e que eles cuidarão para que ninguém me faça mal. Ainda bem!

Tenho reuniões com um médico que todos os dias me pergunta se eu sei quem sou e onde estou. Ultimamente respondo-lhe que me chamo Afonso, que tenho 19 anos, que sou estudante, que tenho um cão chamado Boss, que vivo no Restelo e que estou no hospital. Tem-me dito que estou muito melhor e que depressa terei alta. Já me explicaram que tenho uma doença no cérebro. Chamam-lhe Esquizofrenia e dizem que faz parte de um enorme conjunto de doenças a que dão o nome de doenças mentais. Umas são crónicas, como a esquizofrenia, e outras poderão não o ser, como a depressão.

(...)

Dizem que a minha doença me afasta da realidade e me faz construir um mundo diferente na minha cabeça que eu julgo que é mesmo verdade.

(...)

As pessoas com esta doença podem ter vários sintomas como por exemplo a mania da perseguição ou acreditarem que falam delas na televisão, que as outras pessoas lhe adivinham os pensamentos ou lhes querem fazer mal, ouvirem vozes, ...

Disseram-me que a Esquizofrenia é uma doença crónica, que é o mesmo que dizerem que não tenho cura, mas garantem que há tratamento.

Parece que se eu for seguido em consulta e seguir o tratamento que me recomendaram, poderei ter uma vida fixe e conseguirei realizar os meus sonhos de futuro. Gostava muito de ser engenheiro.

Isabel Afonso, As Linhas do Possível

1 comentário:

  1. Gostei bastante do teu texto pois me identifiquei muito com ele, também escrevo, passa num blog meu. www.locozines.blogspot.com
    ass. carlos conrado

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